quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A vida aos olhos de uma criança e um cachorro

Pela manhã tudo estava tão bonito! Mamãe me acordou com um copo de leite morno e saiu dizendo que o dia estava uma loucura. Eu não entendi muito bem como um dia de sol acompanhado de um copo de leite morno poderia ser ruim, mas acho engraçada aquela ruguinha que ela faz em cima do nariz quando está séria.

Fui levar o copo na cozinha com as duas mãos, porque a mamãe vive dizendo que é assim que se segura, mesmo que eu a veja segurando com uma só. Encontrei o papai no corredor e ganhei um beijo na testa, estava com um cheirinho bom que me lembrou a sensação de um abraço no inverno, achei graça no rosto ainda molhado encostando na minha testa.

Ele saiu correndo, deu um beijo na mamãe e disse algo que pareceu um elogio, mas trouxe aquela ruguinha de volta ao nariz dela. Ele riu e eu ri também, não que eu tenha entendido é só porque acho gostosos rir com alguém. O papai saiu correndo e a mamãe gritou algo como "olha o exemplo que você dá para ao nosso filho". Me fez rir de novo, mas ela me olhou com aquele olhar de quando eu dei risada no almoço de domingo na vovó.

É que papai derrubou macarrão na camisa branca e eu achei divertido, porque o molho fez um desenho que parecia com um coelho sem orelhas e me perguntei como ele faria amizade com um pássaro sem poder ouvir o seu canto. A mamãe ficou zangada, primeiro com ele e depois com meu riso. Ela vive dizendo coisas como: "Filho, você já é um homenzinho, não pode rir dessa maneira!". Deve ser por isso que ela põe a mão na boca quando ri, mesmo que eu ache adorável aquele ronco engraçado que ela faz quando está se divertindo. Ela só faz isso quando pensa que não tem ninguém olhando, mas eu dou um jeito de ouvir e rir com ela. Aí logo ela vai lavar a louça ou as roupas com pressa, mesmo que eu nunca tenha visto nada sair correndo dela.

Papai me deu um cachorro, um buldog preto com uma bola branca na barriga e outra menor no olho esquerdo e gordinho igual a um ursinho, por isso demos o nome de Panda.

Amo quando o Panda corre desajeitado e me derruba no chão, a baba dele é sempre tão quente. Já a mamãe começa a gritar que o Panda não tem jeito e não sabe o que fazer com ele, o papai acaba rindo e ela não se aguenta, disfarça novamente o riso e fala para o papai crescer, mas eu acho ele o maior homem do mundo. Também acho a mamãe grande, porque ela me coloca em seus ombros e eu consigo alcançar no alto da porta, mas ela é menor que o papai, porque nos ombros do papai eu alcanço lá no teto, mas não quis contar nada sobre ele ter crescido mais que ela.

Esses dias eu e o Panda corremos atrás de uma borboleta colorida. Geralmente eu grito: "Olha aquela "leleta" nadando em suas cores pelo ar...". A mamãe se preocupa em dizer: "é borboleta" e papai em me contar que no ar se voa e na água é que se nada. Mas o Panda pareceu ser o único a ver que ela estava nadando com suas cores pelo ar, porque ele também sentiu vontade de correr atrás dela para ver como ela fazia aquilo.

Ontem aconteceu uma coisa incrível: papai colocou uma moeda na boca e ela apareceu atrás da minha orelha, a mamãe riu, mas não pareceu tão surpresa.  Gritei que estava rico e iria comprar todos os sorvetes do mundo. Mamãe riu e disse: "Está sim filho, mas hoje, vamos comprar só um", papai disse algo sobre "espero que ele nunca cresça" e "depois de um tempo isso não é nada".

Fui com a mamãe de mãos dadas até a vendinha da esquina comprar meu sorvete, mas acho que a mamãe deu um jeito de duplicar aquela moeda para o moço. Voltei muito feliz, achando divertido aquela sensação gelada na boca, parecia que tinha uma pena fazendo cócegas na minha língua que me fazia fechar o olho a cada mordida, contei para o papai e ele só sorriu e me deu um beijo na testa, mas eu queria que ele tivesse dito que também achava surpreendente aquilo.

Quando eu percebo que os adultos não se importam muito com o que digo eu procuro o Panda. Ele parece sempre estar rindo e nunca tem tantos compromissos para me deixar sozinho, como quando o papai fala para eu ir brincar no quarto enquanto ele vê algo muito sério sobro o trabalho no computador. Um dia quero saber por que eles precisam trabalhar tanto para ter dinheiro, se sorvete compra com duas moedas e as coisas mais bonitas e divertidas estão no nosso quintal.

Eu estiquei o palito com o resto do sorvete para o Panda e ele mordeu e lambeu tudo até sair correndo com o palito na mão. A mamãe pareceu não gostar e disse algo do tipo "é perigoso para ele filho, é só um filhote" e tirou o palito dele. Eu não entendi como uma coisa que fez a gente rir podia ser perigoso e ele pareceu mais triste sem o palito. E eu também.

Logo nós esquecemos o palito e encontramos um amontoado de terra com umas formigas saindo e entrando de lá. O Panda achou um pequeno galho e cutucamos para ver o que acontecia. Logo o papai veio correndo como se o bicho papão morasse no jardim e repetiu a frase de que aquilo poderia ser perigoso.

Sabe, eu e o Panda vivemos descobrindo muitas coisas no quintal, os adultos parecem achar tudo perigoso e poucas vezes acham graça sobre as coisas. E quando pergunto por que sempre acabo escutando: "Um dia, quando crescer, você vai entender". Mas todas as vezes eu desejo que o pedido do papai de que eu nunca cresça realmente aconteça e que com o tempo eu não deixe certas coisas virarem nada.

Afinal, eu e o Panda temos planos para amanhã: vamos descobrir por que as plantinhas parecem suadas pela manhã, se não choveu. As vezes ele espirra quando chega perto da roseira da mamãe e eu ainda quero achar isso engraçado, mas acho que para ser divertido eu ainda não posso estar crescido ao acordar.

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